Rodrigo Carv 
Após meses retomei a consciência, nesse lugar nefasto. Não consigo mais pensar sobre nada. Lembro que a ceifadora disse que estava condenado a ir ao inferno. Como assim? Não entendi o que significa, o inferno não é o lugar que as pessoas irão quando mortas? Estou ainda vagando por esse lugar escuro, e sem vida. O pior que não consigo ver ou falar com mais ninguém. É como estivesse sozinho na terra. Não tenho mais fome, sede ou necessidades físicas, é estranho, sinto que décadas que não bebo água, ou vou ao banheiro. Por que será? estou perdendo essa capacidade?. Não existe mais aquela voz interna me fazendo pensar duas vezes, ou me fazendo refletir sobre algo, sou impulsionado a fazer tudo e estou passando por todo o tipo de provações nesse lugar. Parece que amanheceu e escuto um barulho estranho. Corri até esse lugar e encontrei pessoas, pessoas de verdade, quem são?. Nossa! Até que fim encontrei conhecidos aqui. Todos estão felizes, comemorando da mesma forma que fazíamos no final de semana. Vizinhos, pessoas próximas, todos estão aqui. Cheguei, e gritei: que saudade de vocês, o que estão comemorando? São pessoas da cidade: estudiosos, pessoas indispensáveis na cidade. Puxei a cadeira e sentei, e comecei a comemorar com eles.
Quando olhei para trás, vi a ceifadora, parece que estava próximo a levar todos que estavam comemorando, parece a dona da morte em pessoa. O que está acontecendo? porque tudo ficou escuro novamente?. O senhor que estava na minha frente, levantou e disse: senhores, eu serei o primeiro, como integrante da sociedade e o membro mais importante darei as honras. Fizeram um círculo e o senhor foi até o meio, subiu no banco e sem nenhum receio puxou uma lâmina e cortou o pescoço, sangrando fortemente, caindo logo em seguida em estado cadavérico. Todos os outros membros não se importaram com aquela cena forte, outros começaram a fazer o mesmo. Fechei os olhos, aquilo tudo era bem aterrorizante, abri novamente, todos estavam olhando para mim fixadamente, parece que estavam em êxtase de prazer.
20 pessoas que estavam ali fizeram o mesmo ato, pegaram os objetos com pontas agudas e perfuraram suas gargantas, caindo todos ao mesmo tempo. A ceifadora não estava mais ali presente, parece que tinha feito o seu trabalho. O estranho que todos os corpos caíram na mesma posição e ficaram olhando fixadamente para mim. Sai correndo, ainda posso correr todos os dias e nunca fico mais exausto ou sinto sede, fome. Passava em lugares, as pessoas olhavam para mim e repetia a mesma cena, de morte, animais morriam, vegetais e tudo, todos que me viam MORRIAM.
Durante a semana esta era a minha agonia, tudo que olhava morria imediatamente, chegou nos 20 dias, não adiantava fechar os olhos, ir a lugares escuros, a imagem estava cravada na minha mente, não tinha saída. Passei por muitos lugares e todas as pessoas estavam fazendo o mesmo. Às vezes, gritava de agonia para que este tomento parasse, mas ficava cada vez pior, não fico mais exausto, cansado, ou com fome. Este lugar é diferente dos demais, pelo menos a exaustidão me deixava mais tranquilo, aqui é diferente, parece que preciso aprender a conviver com toda essa atrocidade. Estranho, só consigo ouvir a minha voz externa, a interna desapareceu de repente, não tenho mais aquele poder de refletir e conversar comigo mesmo, é agoniante, parece que realmente estou sozinho nesse mundo sobrinho.
Tudo é estranho, realmente não parece a terra e a vida como conhecemos. Lembrei que a ceifadora disse que esse é o inferno. O inferno? Não parece em nada como conheço, cadê o fogo, os demônios e as punições? Até agora não vi nada disso, por isso não acredito em nada que a ceifadora diz? e, por que chamo ela de Ceifadora? não sei, o que pensar, estou perdendo essa capacidade. Porem à cada dia que passo por aqui, vou perdendo algo “humano”, algumas memórias estão sendo ligeiramente perdidas, a minha voz interna não exite mais. Só o sofrimento da carne que sou submetido a todos os dias. Não há conexão com nada sagrado, não há templos, não há igreja? Tudo se perdeu. Não ouço orações, a cada dia afundo no abismo sombrio.
Tentei pensar em alguém que ainda resta nos meus pensamentos, com muito esforço, dois dias tentando me concentrar em alguém, até que um lapso de memória me fez lembrar de uma pessoa. Parece que estou num quarto? Por que estou aqui? Quem é essa pessoa que está deitada? Parece que está dormindo? Não lembro mais de ninguém. Ela está bem? Estou próximo a um espelho longo, pregado na parede, mas o meu reflexo não aparece, não consigo tocar em nada, estou sonhando? Espere! ela acordou. Não consigo sair do lugar, a moça levantou, saiu do quarto e demorou alguns minutos. Ela começou a ler algo no seu aparelho, não consigo mais lembrar o que é isso, é isso que ela está usando. Não estou entendendo nada, vou tentar toca nela, passei levemente a mão em seu ombro. A mulher, fez um gesto estranho, pegou uma roupa de frio, esse objeto lembro o nome e vestiu, parece que sentiu um ar gelado, ou calafrio. E sem querer, ao fiz o livro cair da mesa.
Ela começou a ficar triste de repente, o quê? O que aconteceu? Parece que começou uma oração. E de repente, acordei desse “sonho” tinha alguém me puxando de correntes, estava com pés e mãos amarrados de novo, seres com carapulsas, não sei quem é. Me jogou novamente num buraco, e ateou água fervente em todo o meu corpo, gritava de dor e agonia. Estava no buraco de água fervente, logo depois fui jogado num profundo sem nada, fiquei ali por alguns dias, só sentindo as bolhas e queimaduras que foram feitas devido ao banho. O que fiz?, não lembro de mais nada. De repente outro laço de memória me fez lembrar da mesma mulher daquele sonho, ela estava levando umas rosas-vermelhas, parece que irá visitar alguém? é o tumulo de alguém? Estou nesse lugar, mas distante da mulher, há outros lugares iguais a esse, só observei ela deixando as rosas lá, demorou cerca de 40 minutos, e depois saiu. Agora consigo me deslocar, e fui até o local onde aquela mulher tinha deixado as rosas.
Encontrei um lugar para sepultamento, um tumulo bem cuidado, com uma jarra de flores, água, e uma carta. Parece que essa mulher cuida muito bem desse local, ela se importa bastante com a pessoa que está enterrada aí. Peguei a carta, e li o escrito, parece uma mensagem muito bonita. Estava muito sujo, de quem será? Geralmente os nomes das sepulturas ficam atrás, não na frente, onde as pessoas costumam deixar coisas para os mortos. Vou ver quem é essa pessoa, li o escrito e quando de repente…..
