
Outra vez estou vagando em um mundo sem fim. Sinto-me calmo, com uma leve suavidade no ar. Estou me aproximando de uma estrutura que me lembra uma ponte. Parece infinita e muito estreita. Caminhei por ela, e isso trouxe à tona uma pequena lembrança de algum lugar muito distante, algo que o tempo já não me permite recordar.
Quando pisei na ponte, tive a impressão de começar a vagar em um rio de tranquilidade. Tudo parecia muito calmo, embora frio. Estou com as mãos cruzadas sobre o peito, uma sobre a outra. Não sei explicar, mas sinto como se estivesse preso. De repente, uma luz forte ilumina todo o cenário.
Sabe aquelas visões de flashback que às vezes temos? Foi exatamente essa a sensação que acabei de experimentar. Espere… há algumas pessoas no local. Não consigo identificá-las muito bem. Parece que são duas. O ambiente se assemelha a uma sala de consulta.
Por que estou aqui? Não consigo reconhecer essas pessoas. Há algum tempo atrás, o terror e a carnificina tomavam conta de mim. Quem são essas pessoas? São tantas perguntas, mas nunca encontro respostas.
Há uma pessoa próxima a uma mesa de cor prata. Ela tirou as mãos do peito e as posicionou ao lado do corpo, na vertical. Parece que vai fazer algo. Seus movimentos são muito delicados e gentis. O que será que ela vai fazer?
Estamos sozinhos. Ela olhava fixamente para a pessoa que estava deitada e começou a falar:
— Oi, eu sou uma médica. Tudo bem?
A pessoa não respondia. A médica insistiu e disse:
— Quero sua permissão e seu perdão neste momento.
A pessoa continuava sem falar nada. A médica prosseguiu:
— Este procedimento é algo sagrado. Preciso que você me permita realizá-lo.
A expressão da pessoa, antes marcada por um terror intenso e profundo sofrimento, começou a mudar para algo mais brando. Como isso é possível, se ela não demonstrava nenhuma reação?
A médica agradeceu em silêncio e começou a orar rapidamente.
Ainda parece uma espécie de sessão terapêutica, combinando psicologia e religiosidade. Era uma troca de permissão e arrependimento. Parece que essa pessoa não teve tempo de perdoar. Talvez, por isso, o terror estampado tenha ficado cravado em seu rosto.
— Preciso que você se perdoe e me deixe cuidar de você — dizia a médica com um tom calmo e acolhedor.
Quando a expressão de sofrimento no rosto desapareceu, a médica iniciou um procedimento. Sempre com total respeito e delicadeza, enxaguou o corpo por completo, realizando uma limpeza minuciosa. Eu observava tudo. Mas por que agora não sinto a tristeza e o desespero de antes? Estou ficando muito calmo… até feliz.
Depois que ela passou um líquido gelado sobre o corpo da pessoa, que já parecia mais tranquila, começaram um procedimento que me causava muita dor, embora eu estivesse apenas assistindo. Mesmo assim, a médica sempre pedia perdão e confortava a pessoa que estava deitada.
Em seguida, fizeram algo que parecia virar o mundo de cabeça para baixo. Parecia que toda a dor que meu corpo sentia estava escorrendo por várias partes ao mesmo tempo. Não demorou muito, mas foi algo intenso e transformador.
Depois, tudo ficou mais calmo. Dentro de mim parecia macio e confortável, e eu não sentia dor. O que a médica fazia no paciente, de alguma forma, eu também sentia.
Outra pessoa entrou na sala e deixou uma vestimenta – roupas e sapatos. Parecia que esse paciente estava sendo preparado para ir a algum lugar. Nesse momento, percebi que esse lugar ajuda as pessoas a começarem a criar coragem, pois, antes, sentem um medo muito forte. Muitos, no entanto, não são cuidados nem preparados para essa transição. Se não forem bem tratados, o que será que acontece?
Quem são essas pessoas? Médicos? A médica conversava com o paciente que não respondia, mas, mesmo assim, ele mudava de fisionomia.
— Você está mais calmo… Quem são vocês? — pensei.
Gostei do que vi. Havia nela um respeito muito forte, uma calma admirável. Eu assistia a tudo e me perguntava: se ela não tivesse tranquilizado o paciente, o que teria acontecido? Será que esse procedimento é uma preparação para ir embora?
Ela realizava tudo com tanta bondade que me trouxe a certeza de que o paciente poderia partir em paz. Não é porque ele não respondia que isso significava que ele não perdoava. Tudo bem… parece que ele está pronto para ir ao lugar que lhe pertence. Não sei onde é, mas sinto que está tudo certo.
Ele está sendo colocado no mesmo lugar apertado, mas, desta vez, sinto-me calmo e nada mais me assusta, embora ainda tenha algumas dúvidas. Sim, está tudo muito tranquilo.
Outra pessoa chegou. Estou bem perto dele e consegui ouvir. Parecia alguém rezando, dando uma bênção, concedendo um perdão e autorizando-o a seguir em frente. Tudo estava pronto.
Antes de sair da sala, me aproximei da médica e disse:
— Obrigado pelo seu trabalho. Você nos deixa muito tranquilos e traz uma paz que nunca sentimos. Às vezes, chegamos aqui cheios de dor, tristeza e sofrimento, coisas das quais não conseguimos nos libertar. Mas sua conversa, tão branda e gentil, consegue tranquilizar a todos.
Depois disso, voltei para o mesmo lugar de onde saí e, de repente, estou novamente na ponte.
O que foi isso? Um flashback? Estou me lembrando de algo, mas não parece com a carnificina de antes. Apesar de estar em um lugar que parece infernal, sinto-me em paz.
Estou novamente no início da estrada de terra… e alguém com asas negras me chama. Tudo parece que vai se repetir novamente.
Mas desta vez, algo diferente acontece. Antes que eu pudesse seguir o chamado sombrio, uma luz radiante atravessou a escuridão. Um anjo de asas brilhantes apareceu, afastando a figura negra com sua presença imponente e serena. Ele olhou para mim com um olhar compassivo e, sem dizer uma palavra, me envolveu em suas asas luminosas. Senti um calor reconfortante, como se todo o peso da dor e do medo tivesse sido arrancado de minha alma.
Ao fundo observava e disse: Até breve.