
Olá, meu nome é Geo e tenho 4 anos! E essas são as minhas aventuras. Hoje comecei meu dia muito bem, dormindo cedo e acordando bem tarde. E sem me importar, já que hoje temos um dia especial: visita à biblioteca da cidade! Toda a turma irá participar de uma atividade para conhecermos mais autores e música.
Peguei minha condução, o ônibus, e comecei a me sentir um pouco estressada, mas tudo bem. Estamos todos reunidos, os moleques e gurias da minha turma. Agoniada, saí e fui falar com o motorista para saber quanto tempo levaria para chegar. “Moço do ônibus, diga quanto tempo vamos gastar para chegar?”, perguntei.
O motorista do ônibus, disse: “Geo, são apenas 30 minutos e logo chegamos. Vá para a poltrona e espere quietinha.” Saí, e murmurei baixinho: “Esse fio de peste nem explica direito.” Fui e me sentei no meu lugar, aguardando.
Quando se passaram 40 minutos, todos descemos e entramos na biblioteca municipal da cidade. A miseraví da assistente escolar, com um tom arrogante, disse que era preciso fazer fila para entrar. Ela ainda soltou um comentário desnecessário: “Conhecendo vocês, iriam destruir tudo aqui.”
Miseráve! Queria que ela soubesse que poderíamos nos comportar e deixar tudo em ordem. Subimos as escadas, rumo à biblioteca. Ao chegarmos, avistamos um espaço cheio de prateleiras, livros e brinquedos, que mais parecia um parque. O problema é que tivemos que entrar em fila, e os meninos não se mexiam rápido, pareciam uns molengas. Fiquei agoniada esperando, observando todos caminharem lentamente. A escadaria era bem longa, e já estava estressada e exausta de subir tudo aquilo. E aquela miserável da assistente ficava gritando para os meninos não fazerem barulho, mas era ela quem fazia a maior bagunça.
Depois de um tempo interminável, finalmente chegamos ao local que continha os livros infantis. Por que colocaram os livros no outro andar, só para nos fazer subir? Deveriam deixar os livros para a gente no térreo!
Ao entrar na sala, deparei-me com uma senhora da biblioteca, que já aparentava certa idade. Ela explicou, com um tom maternal, como funcionava o sistema de empréstimo de livros. A maneira como ela falava me lembrou daquelas pessoas do hospital psiquiátrico, com seus “nenezinho, nenezinho”. Aff, que mulher maluca!
Aproximando-se de mim, ela apertou minha bochecha com força, deixando-a vermelha. “Ai, que dor!”, pensei, mas me mantive em silêncio. Não queria me estressar com ela.
Ao me aventurar na seção de audiolivros, deparei-me com uma seleção peculiar: “Boi, boi, boi, boi da cara preta…”, “A Dona aranha subiu pela parede… “, “Coelhinho da Páscoa, o que você me traz?… “, “Samba, sambalelê…”, “Atirei o pau no gato… “. Intrigado, questionei-me: essas músicas são mesmo adequadas para o público infantil? tem essas músicas aqui? onde moro?
Curiosa, anotei alguns trechos que me causaram estranheza e dirigi-me à bibliotecária responsável. A assistente, ao notar minha saída da seção, repreendeu: “Geo, para onde você vai? Volte para o seu lugar!”. Em pensamento, retruquei: “Miserável! Já volto, só vou tirar algumas dúvidas.”
Ao chegar à mesa da bibliotecária, sentei-me e iniciei meu questionamento, ainda com a sensação de estar diante de alguém com peculiaridades que lembravam um paciente da ala psiquiátrica. “Moça, o que são essas músicas? Me explique.”, perguntei.
A resposta da bibliotecária foi simples: “São músicas infantis muito divertidas, todas as crianças gostam.” Inconformada, refutei em meu íntimo: “Como assim? Todo mundo gosta? Alguém já prestou atenção nas letras? ‘Boi, boi, boi, boi da cara preta, pega esse menino’? Tipo, o boi vai levar para onde? Deixar na fazenda? Sozinho? E por que a criança deve se assustar, se é uma música infantil? Diga aí! Cara preta? Todos os bois de cara preta são perigosos? Porque é preto, não é racismo? Se o boi tiver cara branca, é bonzinho?”.
Em relação à “Dona aranha”, completei minha análise: “Subiu na parede, ok. Tudo bem, é uma habilidade dela. Mas o problema é que a chuva a derruba? Será que a música conta a história como a aranha morreu?.
Minhas dúvidas persistem. Será que essas músicas, embora consideradas infantis por tradição, realmente transmitem mensagens adequadas para as crianças? É fundamental que pais, educadores e responsáveis questionem criticamente o conteúdo a que seus filhos são expostos, buscando alternativas que promovam valores positivos, como a empatia, o respeito e a diversidade.
Minhas reflexões sobre as músicas infantis me levam a questionamentos ainda mais profundos. Será que a repetição na letra de “A Dona Aranha” serve apenas para evitar que as crianças pensem na morte do aracnídeo? Ou haveria uma mensagem subliminar sobre a fragilidade da vida e a inevitabilidade da morte?
A resposta da bibliotecária sobre a capacidade da aranha de suportar chuva e quedas me leva a ponderar sobre outro aspecto. Se a criança levar a música a sério, poderá se inspirar na aranha e tentar imitá-la, subindo em lugares altos e arriscando se machucar.
Ao invés de celebrar a superação da aranha, a música parece encobrir uma mensagem mais sombria sobre a morte. Será que essa é a mensagem que queremos transmitir às crianças?
Coelhinho da Páscoa: Símbolo ou Engano?
A figura do Coelhinho da Páscoa também me gera dúvidas. Ele é um símbolo da data comemorativa, mas a canção “Coelhinho da Páscoa, o que você me traz?” apresenta uma visão distorcida da realidade.
Coelhos são mamíferos herbívoros, ou seja, não botam ovos. A canção, portanto, cria uma falsa expectativa nas crianças, que podem acreditar que os coelhos são responsáveis pela produção dos ovos de chocolate que recebem na Páscoa.
Além disso, a ideia de “pegar” os ovos do coelhinho pode transmitir a mensagem errada de que é aceitável pegar algo que não nos pertence, mesmo que seja com boas intenções. Roubo é roubo, independentemente da motivação.
Algumas histórias associadas ao Coelhinho da Páscoa também reforçam essa ideia de “pegar” algo sem autorização, como a narrativa de que o coelhinho rouba os ovos de outras galinhas para presentear as crianças. É importante que as crianças aprendam a respeitar a propriedade alheia e a entender que o trabalho e a honestidade são valores mais importantes do que a obtenção de bens por meios.
Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, narra a história de uma menina devorada por um lobo. Essa narrativa pode gerar medo e ansiedade nas crianças, além de transmitir a mensagem de que é perigoso se aventurar sozinha ou conversar com estranhos.
Os Três Porquinhos, por outro lado, ensinam que a construção de casas frágeis pode levar à destruição. Essa história pode ser interpretada como um alerta sobre a importância da segurança e da responsabilidade, mas também pode transmitir a mensagem de que é preciso defender seus bens a qualquer custo, mesmo que isso signifique prejudicar os outros.
Ao retornar ao local onde estava esperando, Geo se depara com um silêncio inquietante. A administradora da biblioteca, ainda chocada com as reflexões da menina sobre as músicas infantis, se mantém em silêncio.
Geo, então, decide explorar o corredor dos livros, buscando refúgio na quietude do local. Percebendo a ausência de outras pessoas, ela se aproxima da administradora e lhe faz um pedido peculiar: pede que ela toque em um objeto misterioso que guarda em seu bolso, afirmando que o mesmo só pode ser tocado por ela.
Hesitante, a administradora atende ao pedido de Geo. Ao tocar o objeto, a sala se envolve em uma escuridão repentina, e a mulher cai desmaiada no chão. Após um minuto de pânico, a luz retorna e a administradora parece estar bem, mas algo mudou em seu olhar.
A administradora da biblioteca, ainda abalada pelo contato com o objeto misterioso, sai rapidamente do local, demonstrando claramente sua inquietação. Geo, por sua vez, segue para a fila dos alunos para deixar a biblioteca.
A menina, porém, carrega consigo a lembrança da experiência peculiar. O objeto, segundo ela, possui a capacidade de revelar o mundo “atrás das cortinas” para aqueles que o tocam, mostrando o que acontece após a morte. A administradora, ao tocar o objeto rapidamente, teve apenas um breve vislumbre desse mundo, o que a deixou ainda mais perturbada.
Após descerem as escadas e embarcarem no ônibus, Geo e seus colegas se preparam para retornar à escola. A excursão à biblioteca, que prometia ser um dia de aprendizado e diversão, se transformou em uma experiência permeada por momentos bizarros e desconcertantes.
A atitude peculiar da administradora, a assistente que gritava sem motivo, o motorista imprudente e as meninas brincando com bonecas, tudo contribuiu para a sensação de caos e estranheza que tomou conta de Geo.
Ao chegar em casa, a menina se sente desanimada e frustrada com a excursão. Ela não aprendeu nada de relevante e apenas presenciou situações desconcertantes e até mesmo perigosas.
Para se livrar do sentimento de tédio e frustração, Geo decide assistir desenhos até a hora de dormir, buscando refúgio no mundo da fantasia e esquecendo da realidade caótica que a cerca.
A aventura musical na biblioteca chega ao fim, deixando um rastro de perguntas sem respostas e um sentimento de desconforto em Geo. A menina, ainda jovem e impressionável, se depara com um mundo que parece mais sombrio e perigoso do que imaginava.